Doces sírios! Quem vai querer?

O embroglio sírio ficou ainda mais embostelado com a divulgação, nesta semana, de um video que mostra um bando de rebeldes executando – em nome de um tal “Senhor do Trono” – soldados do exército do médico-presidente Bashar al-Assad, o filho de Hafez, aquele que governou a Síria desde o início da década de setenta até sua morte no ano dois mil.

Tal selvageria – filmada na primavera síria de 2012 e só agora divulgada – é atribuída a Abdul Samad Issa, “O Tio”, suposto chefe de um grupo de uns trezentos rebeldes radicais, e coloca ainda mais areia na equação química que deveria separar o vilão do mocinho – ou definir a mira do Tomahawk do tio Sam, arma que antes era só uma machadinha de Navajos e Apaches…

A guerra civil já matou mais de 100.000 sírios, em sua maioria pessoas inocentes que tentavam seguir vivendo entre a casa e a escola ou o trabalho.

Há, hoje, 2 milhões de fugitivos – incluindo 1 milhão de crianças! – vivendo em condições subumanas nos chamados campos de refugiados, nos desertos vizinhos do Iraque, Jordânia, Líbano e Turquia.

Esses amontoados de coisas e de gente em áreas inabitáveis – que fazem acampamento de sem-terra parecer condomínio de luxo – em condições caóticas já começaram a suscitar animosidades e ressuscitar ânimos dura e fragilmente reprimidos na vizinhança, como os grupos sunitas de tantas estirpes e tão pouca identidade, ou o Hesbollah libanês, geralmente meros ajuntamentos de fanáticos amotináveis e desorganizados, desordeiros e mal intencionados e, por isso, perigosíssimos para todos os credos, independentemente da verdadeira vontade de Alá.

O Oriente Médio – onde um dia a vegetação se cansou do sol cáustico e se escondeu no solo arenoso – é uma porção de petróleo cercada de areia por todos os lados desde o tempo em que o Iraque era a cobiçada Babilônia, cujas ruínas Saddam Hussein contemplava da janela do seu palácio de verão.

Esse povo beduíno desenvolveu parceria com o árido, aprendeu a estimular a produção e a tirar o leite do seu próprio camelo – veículo sport utility adaptado ao calor, à areia e à falta d’água – e a criar vida da morte.

A sociedade árabe, composta de indivíduos generosos e hospitaleiros, ainda preserva em seus países de origem a retrogradação arraigada na cultura, agravada pela  heterogeneidade de etnias, geralmente mantidas precariamente passivas, a ferro e fogo, por clãs dominantes, que fomentam o fanatismo religioso pra manter seus privilégios.

É um equilíbrio frágil e movediço como a areia, alcançado e mantido ao longo de milênios, arredio a qualquer interferência externa, que nem de longe lembra a doçura de seus folhados com damasco…

Os países ocidentais, arautos da apregoada civilização além-deserto, com um olho no poço alheio e outro na sua própria bomba, historicamente têm interferido – em nome do bem ou do mal – e se lascado.

É o caso do enorme abacaxi que sobrou pro Obama descascar com os casos do Iraque, do Afeganistão, da Líbia, do Egito e de outros que se adicionam às suas mil e uma noites indormidas.

Há alguns governos que, neste pepino com a Síria, a bola da vez, acordam pra acudir, como é o caso da França – “o mais antigo aliado”, como afirmou Kerry diante da recusa do parlamento inglês – e da Alemanha.

Contudo, a maioria opta, compreensivelmente, pelo “sei lá, entende?”, alegando não estar bem claro quem é o pai da criança morta por tiro ou gás sufocante, desde que não seja a sua…

Já o Brasil – notadamente o petista – nem pressionado tem saído de cima do muro, o que me leva à analogia forçada e constrangedora de que seja apenas um amontoado amorfo de várias nacionalidades e não a grande nação cosmopolita que é, cuja identidade e independência só se revela, em seu esplendor, em campeonato mundial de futebol, onde nem los hermanos têm vez!

Afinal, não se pode arriscar perder nenhum voto da colônia árabe, da colónia judia, da colônia penal, da colónia de nudistas…

E ser hetero, até na opinião-biruta, é preciso!