Como é o paraíso

Pensar na morte é coisa que se não faz com a frequência com que ela nos acompanha. Não temos intimidade com a única certeza inquestionável nesta nossa efêmera caminhada. Só sabemos que vamos morrer. Melhor não deter outras informações: quando, de que forma, com sofrimento ou de repente. Mas quem se deteve a enfrentar o tema, sem dúvida já pensou o que nos espera depois. Dá para imaginar o que é a eternidade? A ausência de tempo? A inexistência de relógio?

O poeta Francis Jammes (1868-1938) se converteu em 1905 ao cristianismo e, a partir daí, sua obra se torna profundamente religiosa. Tem um conto sobre o paraíso que é ingênuo e delicioso. Começa assim: “O poeta fitou os seus amigos, seus pais, o padre, o médico, o cãozinho, presente no quarto, e morreu“. Tinha 18 anos. Viu-se no Paraíso e não se surpreendeu. Reecontrou tudo o que amara nesta terra. Foi convidado por sua mãe a jantar com Deus, no caramanchão do jardim do Paraíso.

Não estranhou que Deus se vestisse “como os pobres das estradas, os que trazem um pedaço de pão num alforje, e que os juízes fazem deter à porta das cidades e meter na prisão, por não saberem assinar o nome“. Triste imprenssão tinha o escritor sobre a Justiça francesa de sua época! O jantar foi servidopor legiões de anjos. A mesa cresceu e a ela tiveram assento os seus avós, e os pais de seus avós, e todas as gerações anteriores.

Até os animais que possuíra participaram do banquete. Tudo muito simples, muito natural, como devem ser as coisas de alguém infinitamente justo e infinitamente bom. O certo é que mesmo as pessoas mais próximas não voltam – ao menos no meu caso – para contar como é o “outro lado“. Temos de nos satisfazer com a fé. E somos frágeis, ilimitados, pretensiosos, arrogantes. Ambivalentes, quando não polivalentes. Mudamos de opinião. Cedemos à dúvida sistemática. Ela nos lança na “noite escura“, da qual só os santos conseguiram se liberar.